por Dário de Araújo Cardoso
Esta é uma série de postagens sobre como
pregar a Cristo no Antigo Testamento. Muitos tem pregado de forma errada
usando o Velho Testamento para pregações moralistas ou de auto-ajuda.
Pregador, quer aprender a pregar com base no Antigo Testamento? Esta
série de postagem lhe dará uma boa introdução.
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2. A PREGAÇÃO BIOGRÁFICA E EXEMPLARISTA
2.2. Objeções ao uso do sermão biográfico exemplarista
Greidanus no livro Sola Scriptura apresenta uma série de obj eções ao
uso do sermão biográfico exemplarista. Aqui são apresentadas as quatro
mais contundentes: seu caráter antropocêntrico, o desvio hermenêutico e
a banalização da Escritura que promove e o estabelecimento de paralelos
falsos ou errôneos.
2.2.2. Altera o foco hermenêutico
Tais sermões promovem ainda, dentro do processo hermenêutico, o
deslocamento da busca do propósito do autor ao registrar a narrativa
para a criatividade do pregador ao interpretá-la. A argumentação de
Ernest Best, demonstrada por Greidanus, é particularmente interessante
aqui:
… a maior parte do material acerca dos personagens bíblicos “foi registrada para um propósito diferente de nos dar informação a respeito da pessoa em particular” [...] “Os incidentes, nos quais as fraquezas de Pedro são mostradas, não estão registrados, primariamente, para nos falar acerca das fraquezas de Pedro, mas das misericórdias de Deus, que o perdoou”. Dessa forma, argumenta Best, “a seleção de incidentes que temos dado acerca de Pedro tem sido dominada por um interesse diferente do caráter de Pedro em si mesmo. Portanto, é tolice nossa usar esses interesses para construir uma imagem do caráter de Pedro e, então, prosseguir e aplicá-la aos homens em geral. Em vez disso, deveríamos usar os incidentes das fraquezas de Pedro para argumentar em favor da misericórdia e da força de Deus”.
Greidanus argumenta que tal uso, que ele chama de moralista, destrói o
propósito da Bíblia e o substitui pela agenda do pregador. Kromminga
sustenta que “o moralismo facilmente negligencia a intenção do autor e a
intenção divina em narrar um dado evento ou permite que a intenção
desempenhe um papel somente secundário na aplicação da mensagem à vida”. Schilder
apresenta um exemplo contundente contando que na Páscoa se ouviam
sermões em que as figuras ao redor de Cristo recebiam atenção primária.
Eles falavam dos conflitos internos, confortos e corações endurecidos de
Judas, Pedro, Pilatos, Maria, etc., enquanto que o que Cristo fez, o
porquê Deus ter levado seu Filho àquela experiência e o que Jesus
experimentou em e através das ações daqueles personagens era esquecido. Hoekstra
apontou um dos maiores temas da controvérsia de sua época: “Nossa
pregação não deve ser a pregação de Pedro ou de Maria, mas deve ser a
pregação de Cristo”. O exemplo de Schilder é bastante evidente, mas Holwerda afirma que ele é válido para toda a Escritura:
A Bíblia não contém muitas histórias, mas uma história – a história única da revelação constante e contínua de Deus, a história única da obra redentiva e sempre progressiva de Deus. E as várias pessoas referidas na Bíblia têm seu próprio lugar peculiar nessa história única e o seu peculiar significado para ela. Nós devemos, portanto, tentar entender todos os acontecimentos em sua relação um com o outro, em sua coerência com o centro da história redentiva, Jesus Cristo.
Greidanus reconhece que esse é um ideal, um objetivo ainda por
alcançar, mas aponta que essa é uma discussão sobre como esse objetivo
pode ser alcançado. A questão também “não é primariamente se as verdades
apresentadas são bíblicas, mas se essas verdades são realmente
reveladas no texto da pregação”. Ele
também observa que o que se questiona não é o uso de ilustrações no
sermão, nem a possibilidade de retirar ilustrações da Escritura, mas sim
o uso da Escritura primariamente como uma fonte de ilustrações.
Ou seja, se o propósito das narrativas biográficas é ilustrar a vida
cristã e se a prática de estabelecer uma correlação direta entre o
personagem bíblico e a congregação é coerente com a natureza do texto
bíblico. Anglada expõe a matéria da seguinte forma:
O princípio cristológico ou cristocêntrico reformado de interpretação das Escrituras afirma que Cristo é a chave para a interpretação da Bíblia, porquanto toda ela, inclusive o Antigo Testamento, se refere a ele, se concentra nele e dá testemunho dele. O Antigo e o Novo Testamento apresentam dois atos de uma mesma história escrita por Deus, que tem Cristo como principal protagonista. Dificilmente se pode compreender o significado de uma cena dessa história ou o lugar de outros protagonistas ou antagonistas, interpretando-os à parte dos seus lugares e papéis no enredo e das suas relações com o protagonista principal. [...] o conteúdo da Bíblia não consiste em narrativas de eventos aleatórios ou selecionados através de critérios políticos, econômicos, ideológicos ou sociais. Consiste, sim, na história dos atos de Deus com vistas à realização e consumação do plano da redenção por meio de Cristo.
Holwerda admite que um personagem bíblico pode ser usado como
ilustração como qualquer outro personagem da história, mas, uma vez que
um texto é escolhido como texto base do sermão, ele deve ser tratado de
acordo com sua própria natureza e não mais como ilustração.
2.2.3. Fragmenta e banaliza o texto bíblico
Em decorrência do tópico anterior, deve-se apontar que a pregação
biográfica exemplarista fragmenta indevidamente o texto bíblico e o
banaliza. Os textos de Holwerda e Anglada citados acima baseiam-se no
conceito de que a história registrada na Bíblia é uma história única e
coesa. Schilder afirma que abordagem exemplarista dissolve “a Escritura
Sagrada em uma série de fragmentos espirituais e edificantes. A Palavra
de Deus única é dividida em muitas palavras sobre Deus, e a única obra
de Deus é dissecada em muitas palavras separadas que estão de alguma
forma relacionadas com Deus e a religião”.
Ao destacar determinado personagem bíblico tira-se o texto de seu
contexto e faz-se surgir uma infinidade de histórias que podem servir a
uma multidão de propósitos. Greidanus afirma que “a interpretação
fragmentária extrai o ‘santo’ bíblico do contexto total da história
redentiva e assim torna-o um homem”. Ou seja, o que torna esses
personagens especiais e os acontecimentos referentes a eles dignos de
meditação é sua relação com a história da redenção e, finalmente, com
Jesus Cristo. Perdida essa relação, pouca diferença poderemos encontrar
entre estes e os personagens de outras literaturas religiosas,
clássicas ou históricas. Chapell demonstra que “ainda que bem
intencionados, esses sermões apresentam uma fé que não se distingue da
fé dos unitários, budistas ou hindus moralmente conscienciosos”. Kuyper
apontou que nenhum episódio na história da redenção pode ser visto à
parte do todo.
Um evento na vida dos patriarcas, um episódio retirado dos conflitos de Davi, um fragmento das experiências dos profetas de Deus não podem apresentar uma cena isolada para a igreja com a adição de certos comentários práticos, pois, assim, a história geral e nacional poderia fornecer variados materiais acerca de pessoas de quem nós temos informações muito mais detalhadas e cujas atividades e palavras são igualmente disponíveis para a adição dos mesmos comentários. Na verdade, todos estes fatos e acontecimentos na história sagrada devem ser tomados como parte de um grande todo, como fragmentos da grande obra da revelação de Deus, como sendo distintos de todas as outras histórias por causa daquilo que Deus realizou em e através desses homens para o futuro da sua igreja e a revelação de sua obra de graça, para a glória de seu nome.
A consideração pela unidade da Escritura e a compreensão do seu valor
redentivo são razões suficientes para renegar a abordagem exemplarista
das Escrituras. Esse modelo claramente atenta contra a supremacia
intrínseca das Escrituras e lança a igreja num imenso mar de
interpretações relativas e subjetivas, ainda que possam ser piedosas.
Veer adverte que “o conhecimento de que essa história é uma estrutura
unificada deveria nos precaver contra essa abordagem fragmentária. Pois o
entendimento desta unidade deve de tal maneira nos encher de respeito
que não trataremos mais uma pequena subdivisão como uma entidade
independente”. A revelação bíblica não estará satisfatoriamente
explicada até que os pregadores a tenham relacionado à obra redentora de
Deus. E, portanto, a Cristo.
[cont.]
Fonte: Voltemos ao Evangelho Divulgação: Massoreticos
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