23 de julho de 2013

Artigo - Pregando Cristo no Antigo Testamento (6)

por Dário de Araújo Cardoso

Esta é uma série de postagens sobre como pregar a Cristo no Antigo Testamento. Muitos tem pregado de forma errada usando o Velho Testamento para pregações moralistas ou de auto-ajuda. Pregador, quer aprender a pregar com base no Antigo Testamento? Esta série de postagem lhe dará uma boa introdução.
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2. A PREGAÇÃO BIOGRÁFICA E EXEMPLARISTA
2.2. Objeções ao uso do sermão biográfico exemplarista

Greidanus no livro Sola Scriptura apresenta uma série de obj eções ao uso do sermão biográfico exemplarista. Aqui são apresentadas as quatro mais con­tundentes: seu caráter antropocêntrico, o desvio hermenêutico e a banalização da Escritura que promove e o estabelecimento de paralelos falsos ou errôneos.
2.2.2. Altera o foco hermenêutico
Tais sermões promovem ainda, dentro do processo hermenêutico, o deslocamento da busca do propósito do autor ao registrar a narrativa para a criatividade do pregador ao interpretá-la. A argumentação de Ernest Best, demonstrada por Greidanus, é particularmente interessante aqui:
… a maior parte do material acerca dos personagens bíblicos “foi registrada para um propósito diferente de nos dar informação a respeito da pessoa em particular” [...] “Os incidentes, nos quais as fraquezas de Pedro são mostradas, não estão registrados, primariamente, para nos falar acerca das fraquezas de Pedro, mas das misericórdias de Deus, que o perdoou”. Dessa forma, argumenta Best, “a seleção de incidentes que temos dado acerca de Pedro tem sido dominada por um interesse diferente do caráter de Pedro em si mesmo. Portanto, é tolice nossa usar esses interesses para construir uma imagem do caráter de Pedro e, então, prosseguir e aplicá-la aos homens em geral. Em vez disso, deveríamos usar os incidentes das fraquezas de Pedro para argumentar em favor da misericórdia e da força de Deus”.

Greidanus argumenta que tal uso, que ele chama de moralista, destrói o propósito da Bíblia e o substitui pela agenda do pregador. Kromminga sustenta que “o moralismo facilmente negligencia a intenção do autor e a intenção divina em narrar um dado evento ou permite que a intenção desempenhe um papel somente secundário na aplicação da mensagem à vida”. Schilder apresenta um exemplo contundente contando que na Páscoa se ouviam sermões em que as figuras ao redor de Cristo recebiam atenção primária. Eles falavam dos conflitos internos, confortos e corações endurecidos de Judas, Pedro, Pilatos, Maria, etc., enquanto que o que Cristo fez, o porquê Deus ter levado seu Filho àquela experiência e o que Jesus experimentou em e através das ações daque­les personagens era esquecido. Hoekstra apontou um dos maiores temas da controvérsia de sua época: “Nossa pregação não deve ser a pregação de Pedro ou de Maria, mas deve ser a pregação de Cristo”. O exemplo de Schilder é bastante evidente, mas Holwerda afirma que ele é válido para toda a Escritura:
 A Bíblia não contém muitas histórias, mas uma história – a história única da revelação constante e contínua de Deus, a história única da obra redentiva e sempre progressiva de Deus. E as várias pessoas referidas na Bíblia têm seu próprio lugar peculiar nessa história única e o seu peculiar significado para ela. Nós devemos, portanto, tentar entender todos os acontecimentos em sua relação um com o outro, em sua coerência com o centro da história redentiva, Jesus Cristo.

Greidanus reconhece que esse é um ideal, um objetivo ainda por alcan­çar, mas aponta que essa é uma discussão sobre como esse objetivo pode ser alcançado. A questão também “não é primariamente se as verdades apre­sentadas são bíblicas, mas se essas verdades são realmente reveladas no texto da pregação”. Ele também observa que o que se questiona não é o uso de ilustrações no sermão, nem a possibilidade de retirar ilustrações da Escritura, mas sim o uso da Escritura primariamente como uma fonte de ilustrações.

Ou seja, se o propósito das narrativas biográficas é ilustrar a vida cristã e se a prática de estabelecer uma correlação direta entre o personagem bíblico e a con­gregação é coerente com a natureza do texto bíblico. Anglada expõe a matéria da seguinte forma:
O princípio cristológico ou cristocêntrico reformado de interpretação das Es­crituras afirma que Cristo é a chave para a interpretação da Bíblia, porquanto toda ela, inclusive o Antigo Testamento, se refere a ele, se concentra nele e dá testemunho dele. O Antigo e o Novo Testamento apresentam dois atos de uma mesma história escrita por Deus, que tem Cristo como principal protagonista. Dificilmente se pode compreender o significado de uma cena dessa história ou o lugar de outros protagonistas ou antagonistas, interpretando-os à parte dos seus lugares e papéis no enredo e das suas relações com o protagonista principal. [...] o conteúdo da Bíblia não consiste em narrativas de eventos aleatórios ou selecionados através de critérios políticos, econômicos, ideológicos ou sociais. Consiste, sim, na história dos atos de Deus com vistas à realização e consumação do plano da redenção por meio de Cristo.
 Holwerda admite que um personagem bíblico pode ser usado como ilus­tração como qualquer outro personagem da história, mas, uma vez que um texto é escolhido como texto base do sermão, ele deve ser tratado de acordo com sua própria natureza e não mais como ilustração.

 2.2.3. Fragmenta e banaliza o texto bíblico

Em decorrência do tópico anterior, deve-se apontar que a pregação bio­gráfica exemplarista fragmenta indevidamente o texto bíblico e o banaliza. Os textos de Holwerda e Anglada citados acima baseiam-se no conceito de que a história registrada na Bíblia é uma história única e coesa. Schilder afirma que abordagem exemplarista dissolve “a Escritura Sagrada em uma série de frag­mentos espirituais e edificantes. A Palavra de Deus única é dividida em muitas palavras sobre Deus, e a única obra de Deus é dissecada em muitas palavras separadas que estão de alguma forma relacionadas com Deus e a religião”.

Ao destacar determinado personagem bíblico tira-se o texto de seu contexto e faz-se surgir uma infinidade de histórias que podem servir a uma multidão de propósitos. Greidanus afirma que “a interpretação fragmentária extrai o ‘santo’ bíblico do contexto total da história redentiva e assim torna-o um homem”. Ou seja, o que torna esses personagens especiais e os aconte­cimentos referentes a eles dignos de meditação é sua relação com a história da redenção e, finalmente, com Jesus Cristo. Perdida essa relação, pouca di­ferença poderemos encontrar entre estes e os personagens de outras literaturas religiosas, clássicas ou históricas. Chapell demonstra que “ainda que bem intencionados, esses sermões apresentam uma fé que não se distingue da fé dos unitários, budistas ou hindus moralmente conscienciosos”. Kuyper apontou que nenhum episódio na história da redenção pode ser visto à parte do todo.
Um evento na vida dos patriarcas, um episódio retirado dos conflitos de Davi, um fragmento das experiências dos profetas de Deus não podem apresentar uma cena isolada para a igreja com a adição de certos comentários práticos, pois, assim, a história geral e nacional poderia fornecer variados materiais acerca de pessoas de quem nós temos informações muito mais detalhadas e cujas atividades e palavras são igualmente disponíveis para a adição dos mesmos comentários. Na verdade, todos estes fatos e acontecimentos na história sagrada devem ser tomados como parte de um grande todo, como fragmentos da grande obra da revelação de Deus, como sendo distintos de todas as outras histórias por causa daquilo que Deus realizou em e através desses homens para o futuro da sua igreja e a revelação de sua obra de graça, para a glória de seu nome.
 A consideração pela unidade da Escritura e a compreensão do seu valor redentivo são razões suficientes para renegar a abordagem exemplarista das Escrituras. Esse modelo claramente atenta contra a supremacia intrínseca das Escrituras e lança a igreja num imenso mar de interpretações relativas e subjetivas, ainda que possam ser piedosas. Veer adverte que “o conhecimento de que essa história é uma estrutura unificada deveria nos precaver contra essa abordagem fragmentária. Pois o entendimento desta unidade deve de tal maneira nos encher de respeito que não trataremos mais uma pequena sub­divisão como uma entidade independente”. A revelação bíblica não estará satisfatoriamente explicada até que os pregadores a tenham relacionado à obra redentora de Deus. E, portanto, a Cristo.

[cont.]
Fonte: Voltemos ao Evangelho  Divulgação: Massoreticos

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