Ultimamente, tenho ouvido muitos dos que abandonaram a comunhão da igreja afirmarem que estão vivendo o verdadeiro evangelho. Quanto às suas antigas comunidades de fé, os dissidentes são unânimes ao dizer que são institucionalizadas, podres, idólatras, distantes dos princípios básicos da fé cristã, e irremediavelmente longe do verdadeiro evangelho. Contudo, quando analiso suas atitudes não consigo enxergar os traços do Jesus de Nazaré. Porquanto, seu “ministério”, se é que podemos chamar assim, consiste apenas em criticar tudo e todos. Ninguém presta, a não ser os ícones do desigrejamento, os quais são elevados ao mesmo nível dos tele-pastores. Isto é, seus ícones estão para eles tal como os "ungidos" estão para os neopentecostais. Até porque, conforme advogam, quem não pensa como eles ou é manipulado ou manipulador. Parafraseando o dito de Natanael (Jo 1.46), os “verdadeiros servos de Jesus” entendem que nada pode vir de bom de “Nazaré”, ou seja, do ajuntamento chamado por eles de instituição.
Viver o verdadeiro evangelho, na concepção desses indivíduos, é ridicularizar os outros arrogando para si a propriedade do mais alto conhecimento bíblico e filosófico; é acusar os outros de imbecilização, é diminuir o próximo e superestimar o próprio ego. É mais ou menos assim: “quem não pensa como eu, é imbecil e manipulado”. Quanta santidade! Não consigo imaginar Jesus fazendo isso. Ele chamou sim os fariseus de hipócritas, mas nunca tentou ridicularizá-los ou colocar-se como super intelectual, reduzindo-os ao nível de Neandertais.
Será que isso é viver o verdadeiro evangelho? Abandonar os títulos eclesiásticos, mas fazer questão dos seculares, tais como escritor, líder de movimentos na internet, pensador, juiz, médico, etc. Não me lembro de Jesus incentivando esse tipo de coisa. Mesmo assim, todo mundo faz e não vê problema nenhum nisso. Problemático é só ser pastor, diácono ou qualquer outra coisa no contexto da igreja, ainda que esses títulos apareçam na Bíblia. Tudo é bom quando convém!
Criticam o clericalismo, mas não abrem mão do capitalismo, dos altos salários, etc. Estranho... Jesus viveria assim hoje? Pelo que me lembro, depois que iniciou Seu ministério, o Mestre não escreveu uma linha sequer, abriu mão de seu emprego, e passou o resto de seus dias na Terra propagando as boas novas. De igual modo, no livro de Atos, as pessoas vendiam suas propriedades ao invés de adquirir carros e casas luxuosas. Além disso, distribuíam tudo aos pobres. Quem faz isso hoje? Será que tem alguém vivendo como Jesus viveu? Nem os que alegam viver o “verdadeiro evangelho” o fazem! Por que não abrem mão de seus empregos, carros, casas, notebooks, tablets, I-phones, e doam tudo aos pobres?
Criticar é fácil. O mais difícil é amar as pessoas apesar de todas essas dificuldades. Foi para isso que Jesus nos chamou! Por isso, Ele mesmo reuniu um monte de problemáticos e denominou-os apóstolos. Justamente, para que pudessem aprender a amar a despeito das imperfeições. Pensando assim, consigo enxergar na “instituição religiosa” (maneira como os “verdadeiros cristãos” chamam a igreja) uma rica oportunidade de viver o evangelho genuíno. No meio de todos os problemas, amando todos aqueles imperfeitos, vivendo como Cristo, que não abandonou a comunidade judaica, antes, a priorizou na sua evangelização (Mt 10.6). O Mestre jamais abandonou o templo ou as sinagogas, só não fez deles o centro de sua vida. Lucas, inclusive, relata que era Seu costume ir à sinagoga aos sábados (Lc 4.16).
Se igreja é encontro, conforme advogam esses, porque não se encontrar com frequência para cultuar, como faziam nossos irmãos desde o primeiro século? De acordo com a Bíblia, eles se reuniam nos lares, mas também estavam juntos templo (At 2.46). Muitas comunidades de fé observam essa prática nos dias de hoje: cultuam no templo aos domingos e durante a semana se reúnem nos lares, em pequenos grupos. Ah, mas isso também, como pensam os “verdadeiros cristãos”, faz parte de uma estrutura opressora e clericalista que quer somente manipular e usar os crentes a seu bel-prazer. Mesmo que essa “estrutura” ajude pessoas a serem inseridas, a se tornarem melhores seres humanos, continua sendo um instrumento “do mal”. Ainda que essa “estrutura” contribua com a saúde e a educação de nosso país, permanece sendo “maligna”. Eu hein! Que pensamento esquisito!