Abaixo segue um trecho do famoso livro O Peregrino de John Bunyan. Neste
capítulo Cristão e Esperança se deparam com Interesse-Próprio e seus
companheiros: Apego-ao-Mundo, Amor-ao-Dinheiro e Avareza.
Sugiro fortemente a leitura e aviso:
QUALQUER SEMELHANÇA NÃO É APENAS COINCIDÊNCIA!
Vi, então, no meu sonho, que Cristão e Esperança o abandonaram,
conservando-se ambos a certa distância na sua frente. Um deles, olhando
para trás, viu três homens que seguiram Interesse-Próprio, o qual
cumprimentou respeitosamente quando eles se aproximaram, recebendo em
troca afetuosas saudações. Eram estes três recém-chegados os senhores
Apego-ao-Mundo, Amor-ao-Dinheiro e Avareza, antigos conhecidos de
Interesse-Próprio, que juntamente com ele freqüentavam a escola do
senhor Cobiça, na cidade de Amor-ao-Ganho. Esse sábio professor
ensinara-lhes a arte de adquirir, tanto pela violência, pela fraude,
pela adulação e pela mentira, como sob o pretexto de religião, e todos
os quatro tinham aproveitado com as lições, a ponto de poder qualquer
deles tomar sobre si o encargo de reger a escola.
Depois de se haverem saudado reciprocamente, como já disse,
Amor-ao-Dinheiro perguntou a Interesse-Próprio quem eram os que iam na
frente, pois ainda avistava ao longe Cristão e Esperança.
Interesse-Próprio – São dois habitantes dum país longínquo, que vão peregrinando a seu modo.
Amor-ao-Dinheiro – Que pena é não se terem demorado mais um pouco, para podermos gozar da sua boa companhia, porque todos somos peregrinos!
Interesse-Próprio – É verdade;
mas aqueles são tão rígidos, amam tanto as suas idéias, e têm tão pouca
consideração pelas de outrem, que, por mais piedoso que seja, ninguém
lhes agrada se não pensa como eles, e logo se apartam da sua companhia.
Avareza – Isso é mau; mas há
muitos exemplos de pessoas demasiado justas, cuja rigidez os faz julgar e
condenar a todos, exceto a si próprias. Quais eram, então, os pontos em
que divergiam as suas opiniões?
Interesse-Próprio – Eles
asseguram, na sua inflexibilidade, que devem prosseguir em seu caminho
contra todos os demais, enquanto eu quero esperar o vento e a maré; eles
não duvidam arriscar tudo por Deus, e eu desejo aproveitar-me de todas
as ocasiões para assegurar a minha segurança e os meus bens; eles
empenham-se em sustentar as suas idéias, ainda que estejam em oposição
às de todo o mundo, e eu sigo os preceitos da religião enquanto e até
onde permitem os tempos e a minha própria segurança; eles estimam a
religião, ainda que seja pobre e desgraçada, eu estimo-a quando ela anda
com esplendor e com aplauso.
Apego-ao-Mundo – Tendes vós
muita e muita razão. Pela minha parte, considero muito tolo aquele que,
podendo guardar o que tem, é tão néscio que o deixa perder. Sejamos
sábios como serpentes e ceifemos a erva em tempo próprio. A abelha
conserva-se imóvel durante o inverno, e só aparece quando pode reunir o
proveito com prazer. Deus manda o sol e a chuva, alternadamente. Se eles
querem andar à chuva, deixemo-los, e vamos nós andando com o bom tempo.
Pela minha parte, prefiro a religião que seja compatível com a posse e
com as dádivas de Deus. Pois se Deus nos concedeu as coisas boas da
vida, quem será tão destituído de razão que possa imaginar que o Senhor
não quer que as conservemos e guardemos por causa dele? Abraão e Salomão
enriqueceram – na sua religião. Jó diz-nos que o homem bom entesourará
ouro como pó. Mas, por certo, não seria assim com esses que vão aí
adiante, se efetivamente são como vós dizeis. [...]
Interesse-Próprio – Amigos, pelo
que se vê, todos somos peregrinos, e, para melhor nos apartarmos das
coisas más, permitam-me que lhes proponha uma questão. Suponhamos que um
pastor de almas, ou um comerciante, a quem se apresentasse a ocasião de
possuir as boas coisas desta vida, mas que não pudesse alcançá-las de
modo algum sem que fizesse, pelo menos na aparência, extraordinariamente
zeloso em algum ponto da religião, com que até então se não houvesse
importado muito; não lhe será permitido empregar os meios necessários
para obter o seu fim, sem por isso deixar de ser homem honrado?
Amor-ao-Dinheiro – Vejo o fundo
da vossa questão, e, com o amável consentimento destes cavalheiros, vou
dar-vos uma resposta, que considerarei primeiro em relação ao pastor.
Imaginemos um homem desta classe, um homem bom, que possui um benefício
muito pequeno, e que, na expectativa de outro mais cômodo e mais
rendoso, tem ensejo de obter, com a condição de ser mais estudioso, de
pregar mais e com maior zelo; apesar das opiniões contrárias, eu não
vejo razão alguma para que este homem não possa fazer isso e ainda muito
mais, uma vez que tenha ocasião, e sem deixar de ser homem honrado. E
por que?
1º) Desejar um benefício melhor é lícito, sem a menor contradição, posto que seja a Providência que o depara; e assim pode obtê-lo se isto está ao seu alcance e não se prende com questões de consciência.
2º) Além do que, o desejo desse benefício torna-o mais estudioso e mais zeloso pregador, obriga-o a cultivar mais o seu talento, tudo o que é, sem dúvida, muito em conformidade com a vontade de Deus.
3º) Quanto a acomodar-se ao caráter do seu povo, deponho em suas asas alguns dos seus princípios, isto supõe: a) que é dotado dum espírito cheio de abnegação; b) de proceder doce e atrativo; c) que é mais apto, portanto, para o ministério pastoral.
4º) Deduzo, pois, que um pastor, que troca um benefício pequeno por outro maior não deve ser alcunhado de avarento. Antes, pelo contrário, deve considerar-se que não faz senão seguir a sua vocação e aproveitar-se da oportunidade de fazer o bem que se lhe depara.
Quanto à segunda parte da questão, isto é, com referência ao negociante,
suponhamos que o seu negócio é muito reduzido, mas que, tornando-se
religioso, pode melhorar de sorte, encontrando talvez uma esposa rica,
ou maior número de fregueses. Quanto a mim não vejo razão alguma para
que isto não possa fazer-se com lisura; porque,
1º) tornar-se religioso é uma virtude, qualquer que seja o caminho que se siga para o realizar;
2º) também não é ilícito procurar uma esposa rica ou mais e melhores fregueses;
3º) além do que, o homem que alcança estas coisas fazendo-se religioso, obtém uma coisa boa de outras igualmente boas, e torna-se a si mesmo bom; consegue muitas coisas boas, boa esposa, bons fregueses, bons ganhos, e torna-se bom. Logo, fazer-se religioso para obter todas estas coisas é uma tentação boa e de proveito.
Estas palavras de Amor-ao-Dinheiro foram muito aplaudidas por todos,
concluindo-se unanimemente que tal doutrina era sã e vantajosa.
E, como lhes parecia que não podia ser contestada, resolveram apressar o
passo para proporem a questão a Cristão e Esperança, [...]
Cristão respondeu nestes termos:
Cristão – Não só eu, mas
qualquer novato em religião poderia facilmente responder a mil perguntas
como essa; se é ilícito seguir a Cristo por causa dos pães, como se vê
em João 6:26, quanto mais abominável será servir-te de Cristo e da
religião como meio para conseguir e gozar as coisas do mundo! Só os
gentios, os hipócritas, os demônios e os feiticeiros poderão aceitar
semelhante opinião.
1°) Os gentios: Quando Hamor e Siquém quiseram possuir as filhas e os gados de Jacó, e viram que não havia outro meio para conseguir senão deixarem-se circuncidar, disseram aos seus companheiros:”Se todos os nossos varões se circuncidarem, como eles fazem, todos os seus gados e toda a sua fazenda serão nossos”. (Leia-se toda a história em Gênesis 34:20-24) O que eles buscavam eram as filhas e os gados de Jacó. A religião era apenas o meio de obterem o seu fim.
2º) Os fariseus hipócritas também foram religiosos deste gosto. Grandes orações eram entre eles o pretexto para devorarem a casa das viúvas, e por isso o resultado foi maior condenação da parte de Deus (Lucas 20:46-47).
3º) Tal era também a religião de Judas. Este demônio era religioso pela bolsa e pelo que ela continha; mas perdeu-se e foi expulso como filho da perdição.
4°) Nesta religião estava também filiado Simão Mago, porque queria possuir o Espírito Santo para ganhar dinheiro; mas recebeu da boca de Pedro a merecida sentença (Atos 8:18-23).
5º) Também não posso deixar de dizer que todo aquele que toma a religião para possuir o mundo, a deixará, se necessário for, para não abandonar este; pois é tão certo que Judas se fez religioso por causa do mundo como é certo que pela mesma causa vendeu sua religião e o seu Senhor. Responder afirmativamente à questão que opusestes, como me parece que vós tendes respondido, e aceitar essa resposta como boa é ser pagão, hipócrita e filho da perdição, e assim a vossa recompensa será condigna com as vossas obras.
Ouvindo este discurso, ficaram os falsos peregrinos sem saber o que
haviam de replicar. Então Cristão disse para o seu companheiro: Se estes
homens não podem sustentar-se ante a sentença do homem, o que será
quando se apresentarem no tribunal de Deus? Se os vasos de barro os
fazem calar, o que será quando forem repreendidos pelas chamas dum fogo
devorador?
Como disse Spurgeon de Bunyan:
“Fure-o em qualquer parte; e você verá que seu sangue é bíblico, a própria essência da Bíblia flui dele. Ele não consegue falar sem citar um texto, pois sua alma está cheia da Palavra de Deus”
Se você nunca leu O Peregrino sugiro em negrito que leia.
Fonte: Voltemos ao Evangelho Divulgação: Massoreticos
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