21 de maio de 2013

XAMANISMO OU CRISTIANISMO?




Desde o século XX, mais especificamente a partir da década de 70, surgiu uma nova perspectiva da fé cristã, um novo jeito de vivenciar o cristianismo. Esta ramificação recebeu a alcunha de neopentecostalismo. Isto porque, sua origem remonta ao pentecostalismo clássico, surgido no início do mesmo século. Com uma prática litúrgica bem diferente de seus antecessores, o novo movimento rapidamente alcançou as massas, aumentando significativamente o percentual dos ditos “evangélicos” no Brasil. Conforme explica Ricardo Mariano, 
No plano teológico, caracterizam-se por enfatizar a guerra espiritual contra o diabo e seus representantes na terra, por pregar a Teologia da Prosperidade, difusora da crença de que o cristão deve ser próspero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, e por rejeitar usos e costumes de santidades pentecostais, tradicionais símbolos de conversão e pertencimento ao pentecostalismo (2004, p.123).

Esses elementos contribuíram para que essa vertente do pentecostalismo “caísse na graça do povo”, proporcionando um crescimento fenomenal. Assim, em função da grande aceitação pública, muitos líderes de igrejas históricas (batistas, presbiterianos, congregacionais, metodistas), visando o aumento do número de membros em suas congregações, decidiram empregar alguns dos métodos característicos desse movimento. No princípio, entretanto, as modificações se processaram exclusivamente no campo litúrgico. Posteriormente, elas foram introduzidas no âmbito teológico, provocando um estrago tão grande que, em alguns casos, a reversão é praticamente impossível. 
A partir desse alicerce, foi edificada uma nova ortodoxia, na qual a doutrina neopentecostal é o arcabouço. Destarte, ideias como a confissão positiva, maldição hereditária, unção de objetos e pessoas, teologia da prosperidade e a atribuição de super poderes aos líderes, passaram a ser, aos olhos do povo, identificados como parte integrante da teologia evangélica. Portanto, criticar tais pensamentos se tornou o mesmo que blasfemar.


Todavia, ao analisarmos os pontos fundamentais dessa nova faceta do cristianismo, é possível encontrar diversos elementos oriundos de religiosidades primitivas, estranhas à fé cristã, sendo a principal delas o xamanismo. Acerca desta, cabe ressaltar que se trata de uma religião, característica de um ambiente tribal, centrada na figura do xamã. O termo original shaman vem do verbo “conhecer” do idioma siberiano tunguska, significando “aquele que conhece”.  Vulgarmente falando, trata-se de uma espécie de pajé ou feiticeiro. Isto é, refere-se ao indivíduo, homem ou mulher, que estabelece o vínculo com o mundo sobrenatural, agindo como sacerdote, curandeiro, conselheiro, guardião da memória e das lendas e, às vezes, até guerreiro, se for um guerreiro-xamã, uma espécie de guerreiro sagrado contra o mal. É alguém que tem a capacidade de controlar tecnicamente o êxtase seu e alheio. Neste contexto não há a necessidade de Escritura, pois os ensinamentos são transmitidos oralmente pelo xamã.

Quanta semelhança com o neopentecostalismo! Tal como ocorre no xamanismo, o culto neopentecostal gira em torno de um líder carismático, conhecido como “ungido do Senhor” (o xamã). Este, conforme é ensinado, é “aquele que conhece”, é o “indivíduo, homem ou mulher, que estabelece o vínculo com o mundo sobrenatural”. Ele é o canal de comunicação entre o “mundo espiritual” e os fiéis. Por isso, age como sacerdote, curandeiro, conselheiro, guardião da memória e das lendas e, às vezes, até como guerreiro espiritual contra o mal, expulsando demônios, quebrando maldições, feitiços, etc. O ungido do Senhor é alguém que tem a capacidade de controlar tecnicamente o êxtase (estado alterado de consciência) seu e alheio. Ele faz com que as pessoas caiam, pulem, dancem, tenham tremeliques, apenas com seu sugestionamento. Sua palavra é lei, ninguém pode contrariá-la, porque, se o fizer, “a mão do Senhor irá pesar”. Sendo assim, pouco importa o que a Bíblia diz, o importante é palavra do “ungido do Senhor”, é aquilo que ele faz ou o que ele diz que pode fazer. 

O mais impressionante, no entanto, é que as semelhanças não param por aí. No xamanismo, existe a crença de que há a necessidade de buscarmos força e poder através do contato com os espíritos dos animais, visto que estes estão mais próximos da Fonte Divina. Esses espíritos trazem consigo seus talentos específicos, uma espécie de essência espiritual, e, por meio disso, transmitem aos homens a sua sabedoria, aumentam a resistência a doenças, acuidade mental e a autoconfiança. Por conta disso, em suas danças e rituais, os xamanistas imitam animais, tais como o leão e a águia. Existem até canções dedicadas a esses seres. De igual modo, nas igrejas neopentecostais propaga-se com frequência, dentre um diversificado cardápio de unções, a unção dos quatro seres viventes. Por ocasião de sua concessão, que supostamente é obra do Espírito Santo, o indivíduo começa a agir como um dos quatro seres (leão, águia, novilho ou homem), andando de quatro como um leão, batendo asas como uma águia, etc. Isto é, assim como os xamanistas, os neopentecostais, em suas danças e rituais, imitam animais. 

 Diante disso, eu te pergunto: como posso dar crédito a algo que, além de não se basear na Bíblia, apresenta fortes semelhanças com uma prática religiosa mais antiga que as Escrituras, mais antiga que o próprio judaísmo, que remonta, na verdade, a um período anterior à Revelação Divina, e que nada tem a ver com Ela? A base, como falamos, é completamente empírica e fundamentada pela palavra do ungido do Senhor. O fato é que, atualmente, muitos líderes têm implementado em suas igrejas diversas técnicas psicanalíticas com o fito de atrair e manipular. Não estou me referindo, entretanto, à análise de um paciente, mas à hipnose de grupo, ao sugestionamento, ou seja, a tentativa de induzir um estado alterado de consciência no público. No xamanismo, busca-se também alcançar e induzir os outros a alcançarem esse estado. É claro que, normalmente, a indução ocorre através da ingestão de uma bebida alucinógena, conhecida como ayahuaska

Destarte, fica evidente a relação entre essas religiosidades, o que torna o comportamento neopentecostal, bem como sua teologia, no mínimo, estranho ao cristianismo. Mesmo assim, muitos tentam justificar essas práticas recorrendo ao famoso “conselho de Gamaliel”, registrado em Atos 5.34-39. Contudo, é necessário salientar que tal conselho não se aplica a nós, até porque Gamaliel nem cristão era. Ora, será que um conselho vindo de um rabino que fazia parte da seita judaica que se opunha ao cristianismo teria validade para a Igreja de Cristo? Se fosse válido, o apóstolo Paulo não teria dito a Tito que tapasse a boca dos falsos mestres (Tt 1.10,11), nem teria chamado os maus obreiros de cães, mas, ao contrário teria dito: “não perturbem os que ensinam diferente do evangelho, pois poderemos estar indo contra o Senhor.” Além disso, o crescimento de uma igreja não é sinônimo da aprovação de Deus. O islamismo é a religião que mais cresce em todo o mundo. Só por isso, é de Deus? É óbvio que não. Se fosse assim, o mormonismo e o kardecismo, que têm encontrado bastantes adeptos no Brasil, teriam a aprovação do Senhor. Outrossim, cabe ressaltar que milagres também não significam aprovação de Deus. Isto fica claro em Mt 7.21-23, onde Jesus condena os indivíduos que realizavam prodígios em nome do Senhor. Ademais, João Batista, homem de Deus que atraía multidões não realizou nenhum milagre.

Portanto, vivamos a espiritualidade cristã tal como é apresentada pelo texto bíblico, e abandonemos os comportamentos tresloucados incentivados pelos telepregadores. Precisamos entender que, conforme ensina o apóstolo João em 1 Jo 2.20-27, todos nós somos ungidos do Senhor e que a unção é o próprio Espírito Santo que habita em nós, e não um fluido espiritual, semelhante ao fluido cósmico universal apresentado pelos kardecistas.



Pr. Cremilson Meirelles

Cremilson Meirelles é Pastor da Primeira Igreja Batista em Manoel Corrêa - Cabo Frio - RJ



BIBLIOGRAFIA



MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. Estudos avançados, 18 (52): 121-38, 2004.



ELIADE, Mircea. O Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase. São Paulo: Martins Fontes. 1998.
 

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