Os Dez Mandamentos - Descobrindo a Plenitude dos Mandamentos de Deus
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9º - Não dirás falso testemunho contra o teu próximo
“Que é a verdade?” A pergunta de Pilatos refletia mais um saturado
ceticismo para com a própria idéia de verdade do que uma séria indagação
filosófica. Quão trágico é que um homem incumbido de assuntos de vida e
morte expresse uma atitude tão cínica. E quão diferente deve ser a
atitude dos cristãos, os quais Jesus descreveu como aqueles que são “da
verdade” (João 18.37).
O supremo valor da verdade é evidenciado pela presença do nono
mandamento no Decálogo: “Não dirás falso testemunho contra o teu
próximo” (Êxodo 20.16). O mandamento está mais imediatamente preocupado
com a veracidade no contexto judicial. Deuteronômio 19.15-21 dá
instruções sobre o testemunho em processos criminais. Uma única
testemunha é insuficiente para lastrear uma acusação; deve haver duas ou
três testemunhas (Deuteronômio 17.6; ver também Mateus 18.16;
2 Coríntios 13.1; 1 Timóteo 5.19). Se houver qualquer dúvida acerca da
integridade de uma testemunha, os juízes devem “inquirir com diligência”
e, se for descoberto ser ela uma “falsa testemunha” (no hebraico, eid-shek-er
– o mesmo termo usado em Êxodo 20.16), ela deve receber a mesma pena
que seria aplicada ao acusado. Assim, o perjúrio acarretava a máxima
pena capital sob a lei mosaica.
Uma das razões para a proibição do falso testemunho é que a justiça
pressupõe a verdade. Se a justiça há de ser realizada em uma corte
judicial, todos os fatos relevantes ao caso devem ser conhecidos, o que
pressupõe que as testemunhas falem “a verdade, toda a verdade e nada
além da verdade”. Justiça significa que o acusado tem direito à verdade,
independentemente de sua culpa ou inocência. O oitavo e o nono
mandamentos estão intimamente ligados: dizer falso testemunho é uma
forma de furto; é reter o que é licitamente devido a alguém. Um
princípio semelhante se aplica à difamação: causar dano à reputação de
alguém é furtar-lhe uma preciosa possessão (Provérbios 22.1; Eclesiastes
7.1).
Obviamente, o nono mandamento não se restringe aos tribunais de justiça.
Como o restante da Escritura torna abundantemente claro, dizer a
verdade é um dever moral fundamental e ser honesto é uma virtude moral
básica. Os justos são caracterizados pela veracidade – com efeito, eles
“amam a verdade” (Zacarias 8.19) –, ao passo que os ímpios têm “lábios
mentirosos” (Salmo 31.18; 120.2; Provérbios 10.18; 12.22; ver também
Salmo 101.7; Provérbios 12.17; Jeremias 9.5; Oséias 4.1-2). Uma das
maneiras pelas quais amamos o nosso próximo é falando-lhe a verdade
(Efésios 4.15, 25).
Por que dizer a verdade é tão importante? Como sempre ocorre na ética
cristã, a resposta é fundamentalmente teológica. Deus é “o Deus da
verdade” (Isaías 65.16). A verdade é um atributo essencial de Deus e da
sua Palavra (João 4.23-24; 14.17; 15.26; 16.13; 17.17; 2 Timóteo 2.15;
Tito 1.2; 1 João 4.6; 5.6). Em contrates, mentir reflete o caráter de
Satanás e daqueles que o seguem (João 8.44; 1 Timóteo 1.10; 1 João 2.22;
Apocalipse 21.8). Uma vez que somos criados à imagem de Deus,
planejados para refletir o seu caráter, devemos falar a verdade assim
como Deus fala a verdade. O nono mandamento, não menos do que o sexto,
se sustenta na doutrina da imago Dei.
Embora a maioria dos Dez Mandamentos seja apresentada de forma negativa
(“Não…”), cada um tem tanto uma aplicação positiva quanto uma negativa;
cada um contém um “faça” assim como um “não faça”. Guardar o nono
mandamento não é meramente uma questão de evitar afirmações falsas. Como
reconhece o Breve Catecismo de Westminster na P&R 77, o mandamento
também exige que ativamente busquemos e promovamos a verdade em todas as
nossas tratativas com os outros.
Promover a verdade envolve muito mais do que simplesmente fazer
afirmações verdadeiras. É perfeitamente possível enganar alguém sem lhe
dizer uma única falsidade. Se eu escrevesse um relatório sobre alguém e
enfatizasse suas imperfeições e falhas, enquanto ignorasse quaisquer
pontos de valor ou virtude, cada frase no relatório poderia muito bem
ser verdadeira, mas, considerado no todo, ele não promoveria a verdade.
Promover a verdade significa dar uma descrição globalmente justa e
acurada de como as coisas de fato são – mesmo quando isso vai contra os
nossos próprios interesses. Semelhantemente, nós devemos falar a verdade
com um grau apropriado de exatidão, nunca nos amparando em vaguezas,
ambigüidades ou subterfúgios para obscurecer a verdade por motivos
egoístas ou para fugir da responsabilidade por nossas palavras. Em suma,
promover a verdade significa amar a verdade – não por causa dela mesma,
meramente, mas movidos por um sincero amor por Deus e pelo próximo.
Numa época em que a confiança em figuras públicas está em crescente
declínio, em que os meios de comunicação borram a linha entre notícia e
publicidade, em que o termo spin se tornou lugar-comum[1] e em
que o pós-modernismo erodiu o próprio conceito de verdade, é imperativo
que os cristãos se coloquem à parte da cultura ao redor, como um povo
marcado pela honestidade, integridade e fidelidade. Devemos ser pessoas
de palavra, precisamente porque somos o povo da Palavra.
“Que é a verdade?” é uma questão filosófica importante, a despeito do
cinismo de Pilatos. Mas uma questão ainda mais importante pode ser
feita: “Quem é a verdade?”. O homem que estava perante Pilatos
já havia dado a sua resposta (João 14.6). Se nós invocamos o nome de
Cristo, nossas tratativas tanto com crentes como com incrédulos devem
corroborar a nossa confissão. Apenas se formos conhecidos por dar
testemunho verdadeiro é que poderemos fielmente dar testemunho da
Verdade.
[1] N.T.: Em relações públicas, spin é uma forma de propaganda,
realizada por meio de uma interpretação enviesada de um evento, o que
pode incluir o uso de táticas maliciosas, enganosas e altamente
manipulativas.
Fonte: Voltemos ao Evangelho
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